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O historiador Edison Carneiro e as portas da cidade
Gérson Brasil
Intelectual mulato, nascido em 1912, Edison Carneiro deixou uma vasta contribuição ao entendimento das religiões africanas, principalmente em “Candomblés da Bahia”, como também em outros trabalhos e por ter organizado o Segundo Congresso Afro Brasileiro de Salvador, em 1937. Mas pouco é colocado em evidência o trabalho de historiador inscrito no livro “Cidade do Salvador, 1549”, editado em 1954”, reeditado pela Editora Kalango em 2017. No mesmo livro consta os escritos publicados no Jornal A Tarde, entre 1949 e 1950, na revista Gaúcha Província de São Pedro, 1951 e no Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro, de 1960.
No trabalho ele refuta teses sobre a fundação de Salvador solidificadas por grandes nomes como Theodoro Sampaio, Gabriel Soares, Vilhena, Frei Vicente do Salvador e Jaboatão.
Uma das questões abordadas por Carneiro diz respeito à planta da Bahia, postada no famosos livro de Theodoro Sampaio, “História da Fundação da Cidade do Salvador”. O documento “não satisfaz como datado de 1549. A legenda que dá como cópia do original do “Livro que dá razão do Estado do Brasil e da guerra dos holandeses” reduzido para dois terços não é exata, pois no exemplar do livro em poder do Instituto Histórico Brasileiro só há os mapas da baía de todos os Santos e da Cidade em 1612. A planta não é mais do que o pormenor, em outro traço, desse mapa de 1612. Os seguidores de Theodoro Sampaio transformaram-na, de repente, em planta oficial da cidade”.
A análise criteriosa o exame minucioso dos documentos, a confrontação entre fonte primária e secundária em muito se assemelha ao senso crítico trazido à historiografia pelos fundadores da Escola dos Annales, em 1929, na França, cujos expoentes foram Lucien Febvre, Marc Bloch e depois Fernand Braudel. Eles instituíram a confrontação de documentação, cotejamento de informações, o espírito crítico diante do material e separação entre fonte primária e secundária, dentre outras coisas.
Ao refutar o mapa, Carneiro alia uma série de argumentação com base em dados históricos. ”A planta por si mesma revela-se muito posterior a 1549. Lá está, por exemplo, a eremida da Conceição, construída talvez em 1550. Lá está o “palácio do bispo”. Sabemos que o bispo só foi nomeado em 1551, quando o papa criou o bispado do Brasil, chegou à Bahia em 1552”.
Em outro trecho do livro “História da Fundação da Cidade do Salvador”, Edison Carneiro afirma ser da conveniência de Theodor Sampaio a arrumação do sítio da cidade em 1549 compreendido entra a Praça da Sé e a Praça Castro Alves. Ele e seus seguidores deixaram de “explorar outras possibilidades, que os documentos antigos indicam que a cidade se estendesse para além da Praça, de maneira a incluir o Terreiro”.
Carneiro discute e mostra que o Colégio dos Jesuítas fora erguido dentro do limite da cidade, não além da demarcação. “Nobrega dizia que o governador não queria lhe dar o local que escolhera para o Colégio, porque não ficava dento da Cidade. Antes do Natal de 1549 estava tudo pronto”.
Numa alusão a Theodoro Sampaio e os historiadores que lhe seguiram, Carneiro pergunta. “Os que circunscrevem a Cidade num aparatado triângulo saberão dizer se depois disso os jesuítas construíram um novo Colégio. Esta construção manteve-se até 1552. Fica a suposição de que o Colégio foi levantado junto ao local em que está a Faculdade de Medicina, no Terreiro. Ora se o governador não queria dar a Nóbrega o teso que escolhera, por ficar fora da cidade, porque lhe daria chãos no Terreiro essa zona de acordo com Theodor Sampaio ficava extramuros? Se o Terreiro e o Carmo ficavam fora da cerca, porque negaria o governador permissão para levantar o Colégio no Carmo, e deixaria de fazê-lo no Terreiro? Por outro lado, ficaria a Sé fora de portas”?
Edison Carneiro arremata dizendo que “as cartas de Nóbrega, de Luís Dias, os documentos antigos e a lógica elementar sugerem que a cidade se estendia muito mais para o norte do que a Praça Municipal – exatamente até a Porta de Santa Catarina, no Largo do Pelourinho”.