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/ Políticas & Finanças

Como a volta do ex-presidente ao cenário eleitoral mexe com a economia

Decisão de Edson Fachin anulou todos os processos contra Lula em Curitiba
As incertezas já existentes sobre a economia brasileira ganharam um novo componente com a decisão do ministro Edson Fachin, do STF, de anular as decisões contra o ex-presidente Lula (PT) dentro da operação Lava Jato. Analistas apontam que a decisão tende a manter o câmbio pressionado, impactar negativamente sobre os juros e afastar investidores.

A decisão do Supremo coincide com um momento de retirada de recursos do país. Na semana passada, os investidores estrangeiros promoveram uma retirada de R$ 2,4 bilhões da B3, justo em um momento em que está havendo um crescimento nos IPOs (ofertas públicas iniciais de ações, na sigla em inglês).

O desempenho da Bolsa e da moeda brasileira estão entre os piores dos mercados emergentes. Do início do ano até terça-feira (9), o índice Ibovespa acumulou queda de 6,46%, enquanto a taxa de câmbio subiu 12,37%. O dólar chegou a ser negociado a quase R$ 5,87 na terça, maior patamar desde maio do ano passado. Nesta quarta (10), o câmbio recuou 2,5%, fechando o dia em R$ 5,65, e a Bolsa subiu 1,29%, no embalo da aprovação da PEC Emergencial na Câmara e com algum alívio proporcionado pela interrupção, no STF, de julgamento que questiona a imparcialidade do então juiz Sergio Moro nos processos contra Lula.

Outro fator recente que influenciou na extrema volatilidade do câmbio foi o desejo do presidente Jair Bolsonaro de desidratar ainda mais a PEC Emergencial, não incluindo servidores da segurança pública no congelamento dos salários do funcionalismo público. Após articulação comandada pelos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Banco Central, Roberto Campos Neto, deputados aprovaram o texto-base sem o benefício aos policiais na madrugada desta quarta-feira. Porém, horas depois, o governo não resistiu à pressão e costurou acordo para permitir progressões e promoções para todos os servidores, enfraquecendo o ajuste fiscal.

Após a anulação das condenações de Lula, consultorias começaram a rever suas projeções. Em resumo, elas passaram a esperar dólar, inflação e juros mais altos que antes. E rebaixaram as expectativas para o PIB deste ano.

“A decisão tomada pelo STF, mais o julgamento da suspeição de Moro, são mais um ponto negativo que se adiciona a um cenário em que já houve intervenção do governo no Banco do Brasil e na Petrobras e embates diplomáticos com a China e a Índia sobre as vacinas”, diz Gustavo Bertotti, economista-chefe da Messem Investimentos.

Ele lembra, também, que as reformas tributária e administrativa – que poderiam contribuir para destravar a economia – estão praticamente paradas no Congresso. E o Brasil vive o pior cenário desde o início da pandemia. O número acumulado de mortes por Covid-19 se aproxima de 270 mil, com 11,1 milhões de casos confirmados.

O "efeito Lula" se soma a essa série de fatos e contribui para abalar ainda mais a confiança dos empresários, que já vinha em baixa ao longo do primeiro trimestre.

Maior problema é a insegurança jurídica
 
Celson Plácido, diretor de investimentos da Warren, aponta que o maior problema não é a entrada do ex-presidente no cenário eleitoral, mas sim a insegurança jurídica que o episódio traz.

“Como o investidor estrangeiro vai entender que alguém foi condenado em três instâncias, por juízes diferentes, e aí vem um ministro do STF e anula tudo? Tinha de ser debatido em plenário. Se isso espanta o brasileiro, imagine lá fora”, diz Plácido.

“Temos quase dois anos até as eleições. Temos que ver o capital político que o Lula tem. Em 2018, era de 30% a 35% do eleitorado”, observa o economista.

Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, complementa: “A decisão [do STF] mexe muito com as percepções de quem planeja investir no Brasil. Afeta a credibilidade. Também mostra problemas no avanço institucional”.

“No Brasil, até o passado muda”, afirma ele, lembrando da frase atribuída a Pedro Malan, que foi ministro da Fazenda no governo Fernando Henrique.

Bertotti, da Messem, aponta que a decisão do ministro Fachin contribui para ampliar a percepção de risco existente sobre o Brasil. “Com isso, a volatilidade ganha mais força.”

Um dos impactos imediatos pode vir sob a exigência de um prêmio de risco maior para o investidor estrangeiro participar das concessões de infraestrutura e as privatizações que estão no radar do governo. Para abril está previsto o leilão de concessão de 22 aeroportos, divididos em três blocos.

Essa interferência impacta nas nossas vidas. "A tarifa tende a ser mais elevada por causa do risco jurídico e governamental”, diz Plácido.

Outros reflexos citados pelo especialista são uma inflação maior e menor concorrência na economia brasileira. “No final nós acabamos pagando a conta”, lamenta.

O estrategista-chefe da XP Investimentos, Fernando Ferreira, escreveu em relatório que o fato se soma a outros componentes políticos que ampliam o risco em relação à economia.

O temor dos analistas é de que o presidente Jair Bolsonaro tenda a adotar mais medidas populistas na economia. “Ele precisa ganhar força nos estratos de baixa renda no Norte e Nordeste, um grupo onde Lula tem muita força”, destaca Sanchez, da Ativa.

O economista Matheus Jaconeli, da Nova Futura Investimentos, diz que uma eventual adoção de medidas populistas pode deteriorar ainda mais o cenário econômico. “Assistiríamos a um aumento no risco e na inflação. Facilitaria a saída de dólares, impulsionando a desvalorização do real e obrigaria o BC a aumentar mais os juros em um ambiente que está sendo prejudicado pela pandemia.”

Christopher Garman, diretor da consultoria política Eurasia Group, descarta, em relatório, que o efeito Lula possa gerar uma guinada populista na política econômica. “Embora investidores estejam preocupados com o compromisso de Bolsonaro com a austeridade fiscal, o presidente mostrou várias vezes que teme uma potencial crise de mercado, e a elegibilidade de Lula não mudará isso”, diz.

Plácido, da Warren, lembra também que não há dinheiro suficiente para alternativas mais populistas na economia, mas vai ficar aquela dúvida: “Será que o Bolsonaro vai tomar esse tipo de medidas? Esse risco aumentou”.

Os impactos não se restringem ao curto prazo. Jaconeli cita que, no caso de uma eventual vitória de Lula em 2022, poderá haver uma tendência a um aumento nos gastos públicos com um viés político, a adoção de uma política econômica de cunho assistencialista e mais intervenções cambiais.


Por Vandré Kramer - Gazeta do Povo
 

 

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