Por que a inflação aumentou e deve obrigar o Banco Central a subir os juros
Itens tradicionais na mesa dos brasileiros tiveram altas pesadas
Por Vandré Kramer
A desvalorização do real frente ao dólar e a alta das commodities estão favorecendo a inflação, o que pode fazer com que o Comitê da Política Monetária (Copom) inicie um ciclo de alta na taxa básica de juro (Selic) na próxima reunião, nos dias 15 e 16. Bancos projetam que ela seja elevada em meio ponto percentual.
Hoje a taxa é de 2% ao ano, a menor da história. O ponto médio das projeções do mercado financeiro indica um aumento para 4% ao ano até dezembro, segundo o relatório Focus, do Banco Central (BC). Mas analistas não descartam um choque mais forte, com os juros indo a 5% ou 6% ao ano.
Combustíveis e alimentos são os sinais mais evidentes da alta nos preços. Até a sexta-feira (12), o barril do petróleo tinha se valorizado, em dólares, em 34,42% no ano; a soja, 7,52% e o milho, 14,67%, segundo o Bradesco.
“Esperamos alguma correção de preços de petróleo ao longo do ano, mas problemas de oferta no curto prazo e a demanda acelerando têm mantido a pressão altista, além da própria depreciação cambial”, escreveram os analistas Myriã Bast e Ederson Schumanski, do Bradesco.
Nos 12 meses encerrados em fevereiro, os preços dos alimentos no domicílio aumentaram em média 19,42%, segundo o IBGE. E os dos combustíveis domésticos, 13,38%, puxados pela alta no botijão de gás. A inflação oficial (IPCA) no período foi de 5,2%.
Um dos índices de preços mais tradicionais do país, o IPC da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), que calcula a inflação na cidade de São Paulo para famílias com renda entre um e dez salários mínimos, sinalizou para uma alta de 16,75% nos alimentos, próxima à calculada no IPCA nacional, do IBGE.
Itens tradicionais na mesa dos brasileiros tiveram altas pesadas. O tradicional prato do brasileiro – o arroz com feijão – ficou bem mais caro, com aumento que supera os 51% nesse período, segundo o IBGE. O açúcar cristal apresentou uma variação de 21,14%; as hortaliças e verduras, 23,30%; as frutas, 27,09% e as carnes, 29,51%.
Pressão do câmbio
“Há uma forte influência do câmbio neste cenário. O efeito da desvalorização do real foi na veia”, diz o coordenador do IPC-Fipe, Guilherme Moreira. Em 2020, a cotação da moeda americana deu um salto de quase 30%, passando de R$ 4,0213 para R$ 5,1967 entre o início e o fim do ano, com um pico de R$ 5,7803 em outubro, segundo o BC.
Celson Plácido, diretor de investimentos da Warren, observa que o desempenho do real chega a ser pior até mesmo que o do peso argentino. Lá, além da crise causada pela pandemia, há uma série de incertezas de natureza política e econômica.
A expectativa do coordenador do IPC-Fipe é de que não haja, neste ano, uma repetição do movimento registrado em 2020. “Não tem espaço para uma nova desvalorização”, diz Moreira. As projeções para este ano estão, de fato, mais contidas: bancos e corretoras projetam que o dólar encerrará o ano a R$ 5,15, segundo o ponto médio das previsões no relatório Focus.
Mas o câmbio tem se mantido pressionado nas últimas semanas. Na última terça (9), a moeda americana chegou a ser comercializada a R$ 5,87. Na sexta, o dólar comercial era negociado por pouco menos de R$ 5,60.
Os últimos fatos que influenciaram na elevação da taxa foram a decisão do ministro Edson Fachin, do STF, de anular as decisões dos processos envolvendo o ex-presidente Lula – o que o recolocou no cenário eleitoral de 2022 – e o esforço feito pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em livrar profissionais da segurança pública na PEC Emergencial.
A deterioração da situação fiscal brasileira, motivada pelos auxílios concedidos para minimizar os impactos da Covid-19, foi um dos principais responsáveis pela desvalorização do real. O déficit público (diferença entre o que o governo gasta e o que arrecada) chegou a 9,5% do PIB e a relação entre a dívida pública e o PIB está batendo nos 90%.
Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, aponta que esse cenário fiscal prejudicado afeta muito a economia, o que faz com que a utilização de mecanismos de política monetária – como o aumento na taxa básica de juros – tenha efeitos limitados. “O governo precisa dar uma clara sinalização na área fiscal”, diz.
O coordenador do IPC na Fundação Getulio Vargas (FGV), André Braz, lembra que a economia brasileira já vinha fragilizada antes da pandemia, com três anos de fraco crescimento e, quando a pandemia afetou o mundo, pegou o país em uma situação complicada.
“O Brasil vinha de um déficit público elevado, que já trazia algum nível de incerteza para o país e uma taxa de juros muito baixa que, diante desse ambiente de incerteza, provocava ainda mais desconfiança dos agentes econômicos", diz Braz. "Isso fez com que o real acabasse se desvalorizando mais do que as moedas de outros países emergentes.”
Segundo relatório divulgado pelo Itaú na sexta (12), a probabilidade de aumento de gastos sociais como consequência da pandemia, impactando a já frágil sustentabilidade fiscal da economia brasileira, não é desprezível.
"A deterioração das condições financeiras resultantes do aumento do risco fiscal reduz a perspectiva de crescimento adiante. A despeito do aumento do isolamento social, o impacto [negativo do risco fiscal] é menor em 2021 do que em 2022, em consequência do crescimento global robusto e do impulso vindo da vacinação este ano."
O banco projeta que a cotação do dólar termine o ano em R$ 5,30. Ele também passou a projetar um crescimento econômico menor nos próximos dois anos – a expectativa para 2021 foi revista de 4% para 3,8% e a de 2022, de 2,5% para 1,8%.
Commodities em alta
Além do câmbio, outro fator que ajuda a explicar a alta nos preços é o movimento de alta nos preços das commodities. “A China vem crescendo forte e investindo pesado”, aponta Plácido. A previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) é de que a economia do país asiático – grande consumidor de commodities – cresça 8,1% neste ano.
Mas não é só o consumidor que vem sentindo essa alta nas commodities. Dois índices mostram o tamanho do impacto sobre os produtores: nos 12 meses encerrados em fevereiro, o Índice de Preços ao Atacado (IPA), um dos componentes do IGP-M e calculado pela FGV, mostra uma alta de 40,11%. E o Índice de Preços ao Produtor (IPP), medido pelo IBGE, mostra uma alta de 22,96% nos 12 meses encerrados em janeiro.
“O produtor está pagando mais caro pelos insumos. O setor industrial vem sofrendo muito com isso, principalmente a construção civil e o segmento automobilístico”, diz Braz.
Ele acredita que, mesmo em um cenário econômico complicado, com desemprego elevado e queda na renda das famílias, devem acontecer novos repasses aos preços.
“A cada mês que passa, com o real se desvalorizando ainda mais, é um desafio para segurar [os preços], porque a estrutura produtiva já foi comprometida com o aumento nos preços no ano passado. Se neste ano há a tendência de novos ajustes, como aconteceu em janeiro e fevereiro, pode ser inviável para muitos segmentos”, avalia o coordenador do IPC na FGV.
Rafaela Vitória, do Banco Inter, acrescenta um terceiro fator à lista dos causadores do aumento nos preços nos últimos meses: um choque de oferta que causou a falta de insumos essenciais à indústria, como aço e embalagens plásticas, por exemplo.
Espalhamento da inflação
Moreira, da Fipe, vê um sinal de transformação na inflação. “Os preços dos alimentos estão mais contidos, mas a pressão passa a ser ditada pelos combustíveis e pelos planos de assistência médica.”
“A alta nos preços está se espalhando para outros segmentos, o que pode comprometer a meta da inflação (3,75%) para este ano. Isso deve fazer com que o Copom dê uma mexida na Selic ainda em março”, complementa Braz.
“Fretes podem ficar mais caros, derivados de petróleo em geral podem afetar a indústria química, impactando também em segmentos diversos como vestuário, adubos e defensivos. Mas o petróleo é só uma das commodities. Tem soja, milho e trigo subindo muito. Isso tem contaminado a cadeia de derivados, que está subindo não só porque elas estão aumentando de preço, mas, também, por causa do dólar”, afirma o economista da FGV.
Analistas do Bradesco veem sinais evidentes de contenção dos preços nos serviços. “A situação do setor é diferente, com restrições limitando a retomada das atividades e ainda sem horizonte claro de reabertura. Com a taxa de desemprego elevada e a economia parcialmente fechada, a capacidade de repasse é bastante baixa. Assim, alguns itens importantes dentro de serviços continuam com inflação bastante contida, como mão de obra, empregado doméstico, educação, serviços pessoais e passagens aéreas.”
O Itaú projeta que o país terá uma inflação maior em 2021, incorporando preços mais altos de petróleo e câmbio mais depreciado. O banco espera que o IPCA varie 4,7%, ante 3,8% da previsão anterior.