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De Havana, onde o acesso à internet foi cortado para conter as manifestações que varreram grande parte do país no domingo, o escritor e jornalista cubano Ernesto Pérez Chang demonstra surpresa ao atender a ligação do G1: “Acabam de restaurar a comunicação!”
O apagão digital dos últimos dias desconectou os manifestantes após maior protesto registrado desde o Maleconazo, a rebelião contra o regime, em agosto de 1994.
Aos 50 anos, Pérez Chang credita este novo despertar cubano a uma nova geração, que não tem compromisso com a Revolução de 1959 e não se vê incluída pelo regime, que, no seu entender, corre perigo.
· Leia também: Regime cubano tenta conter insatisfação popular que se propaga na velocidade das redes sociais·
Autor de oito livros, entre eles os romances “Tus ojos frente a la nada están” e “Alicia bajo su propia sombra”, ele acredita que o governo deixou de ser de esquerda; sequer é socialista ou comunista, mas dominado por uma casta de militares que se transformaram em empresários.
Leia abaixo a entrevista de Ernesto Pérez Chang ao G1:
Os cubanos despertaram? Estamos diante de uma Primavera Cubana?
Ernesto Pérez Chang - Sim, sobretudo os mais jovens, que não têm compromisso algum e rejeitam esse discurso obsoleto que vem do regime e não responde aos seus interesses, não os incluem e não lhes dá nenhum tipo de esperança. Creio que se não houvesse as redes sociais e este tipo de canal alternativo de comunicação entre as pessoas não teria sido assim.
E com todas as condições que se intensificam a cada dia, como mais pobreza, menos acesso aos serviços básicos, desvalorização da moeda e, para culminar, a pandemia. Só não foi maior porque cortaram a internet e aumentaram a repressão, com policiais disfarçados de civis. Mas haverá outros momentos, porque as pessoas estão realmente cansadas.
Em que os protestos deste domingo diferem em relação aos de 1994?
Ernesto Pérez Chang - Há uma grande diferença. Em 94, ainda havia pessoas encantadas com certos elementos da Revolução. Nesse momento, há muito desencanto, inclusive, nas próprias fileiras do partido e das instituições do governo. É um desencanto geral, vem deles mesmo. Esses jovens do Movimento 27N e do Movimento San Isidro não têm posicionamento ideológico, diferem muito de outras décadas, dos tempos revolucionários.
Não é aquela dissidência tradicional, do ano de 1994, por exemplo. Esse é um movimento de desencanto total, são pessoas desgarradas desse tipo de ideologia. Em 1994 não havia muito investimento estrangeiro, ao contrário, havia discriminação a tudo que vinha de fora.
Agora as pessoas se deram conta de que não há um governo socialista ou comunista, mas um governo de militares empresários que estão interessados em ganhar mais dinheiro. Não há nada que se reverta em programas sociais verdadeiros. Há muita decepção.
Neste contexto, pode-se dizer que as redes sociais são as armas da população insatisfeita?
Ernesto Pérez Chang - Sim, o acesso a internet mudou tudo. É muito custoso para quem vive de seu salário e não recebe remessas do exterior, mas, ainda assim, foi muito considerável. É a única via para que as pessoas expressem sua insatisfação, já que os protestos de rua estão terminantemente proibidos. A internet se transformou num substituto virtual do que seria tomar as ruas.
Não fossem as redes sociais, creio que os meios independentes não teriam como dar conta do que realmente se passa, porque a propaganda do Partido Comunista sobre seu projeto econômico é muito triunfalista e muito maquiada. Não haveria como mostrar a realidade cubana, que é muito diferente do que se pública nos meios oficialistas.
Como está sendo a reação do governo nos dias seguintes aos protestos? O senhor tem saído à rua, presenciou algum tipo de repressão?
Ernesto Pérez Chang - Sim. A repressão foi mais dura do que nunca.
Vestiram policiais de civis, mobilizaram o Exército e militares treinados como forças especiais para reprimir quem protestava. As noites pareciam as de uma cidade em guerra, com cinco policiais uniformizados ou à paisana em cada esquina. E, sobretudo, estão usando as restrições sanitárias pela pandemia como método de repressão. Havia um toque de recolher pela pandemia e isso foi redobrado depois de 11 de julho.
Vimos helicópteros e blindados com tropas se movimentando de um lado para o outro. A internet foi cortada e ficou muito difícil coordenar-se sem comunicação. Como em Cuba há somente uma empresa de comunicação, a ETECSA, então as pessoas ficaram desconectadas, sem saber o que ocorria. As intervenções do presidente e dos ministros não fizeram nada para aplacar o mal-estar. Ao contrário, contribuíram para irritar ainda mais porque o salário é insuficiente e faltam alimentos na mesa dos cubanos.
O que mudou no regime depois da saída dos Castro?
Ernesto Pérez Chang - É um erro dizer que não estão mais no poder. Raúl Castro convocou uma reunião do partido logo depois dos protestos, tomando as rédeas do poder. Ele é um administrador geral, inclusive da polícia política, isso não é segredo para ninguém. O que mudou é que com Fidel Castro havia uma ditadura, mas não havia investimentos estrangeiros. Agora os empresários estão ditando as regras. Há uma casta militar que se transformou em empresários que estão apostando em permanecer com tudo isso.
Não há nenhum tipo de ideologia. Dizer que o partido se chama comunista e se declare de esquerda é um erro. Temos um governo de militares transformados em empresários.
Há muito tempo, Cuba deixou de ser um governo de esquerda. Não podem dizer que o desabastecimento é um produto do embargo econômico, quando continuam a construir hotéis que não têm utilidade porque o fluxo do turismo diminuiu. Trata-se de um governo concentrado totalmente em acumular dinheiro, em crescer com grandes empresários. É um salve-se quem puder.
O senhor acredita que o regime está em perigo?
Ernesto Pérez Chang - Sim. Podem acontecer duas coisas. Ou cairá porque as pessoas não aguentam mais e demonstraram isso nos protestos de domingo. A outra opção seria o governo começar a realizar mudanças, sem deixar isso tão claro, por uma questão de orgulho, e uma parte da população constatar que houve alguma melhoria e se conformar com isso. O problema é que as pessoas também perceberam como o regime é violento, convocando o enfrentamento nas ruas, dizendo que “as ruas são nossas” e não das pessoas que pensam diferente. Tudo isso será difícil daqui por diante.
Como o senhor acha que este momento vai impactar no seu trabalho e na sua literatura?
Ernesto Pérez Chang - Impactam o tempo inteiro. Eu sempre abordei esses temas, inclusive quando todos diziam que os cubanos não iriam às ruas. Estamos diante de outra geração, que vê o que aconteceu com seus pais, com seus avós. São jovens que se dão conta de que, se quiserem ter uma vida diferente, precisam emigrar. Isso influi muito positivamente no que escrevo. E negativamente no sentido de que haverá mais vigilância, mais repressão, mais ameaças e mais tentativas de controle.
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