Fundação
João Fernandes da Cunha
conheça aBiblioteca João Fernandes da Cunha
venha nos visitarFundação João Fernandes da Cunha
/ Artigos
Felicidade, riqueza e poder
Joaci Góes
Ao velho e bom amigo Eugênio Mascarenhas!
Tudo traz dentro de si o seu oposto, a sua antítese. Por isso, a inteligência é, a um só tempo, a grandeza e a desgraça dos homens. Daí o acre ditado popular segundo o qual dizer que os homens são racionais porque algumas vezes agem sensatamente, seria o mesmo que reconhecer que os cães são peixes porque sabem nadar.
A reflexão vem a propósito do inelutável fadário humano de repetir erros monumentais, constituindo o único caso de animal que tropeça muitas vezes na mesma pedra. Basta lembrar a facilidade com que as pessoas se deixam apanhar nas malhas da arrogância, quando são postas, ainda que momentaneamente, numa posição de aparente superioridade em relação aos próximos. O trágico destino de gente poderosa como Saddam Hussein e Omar Kadhafi não serviram de exemplo para grandes vigaristas em toda parte, inclusive no Brasil, onde ameaçam congestionar os presídios. Recorde-se que Kadhafi não foi capaz de perceber o que todos intuíam: que ele seria Hussein amanhã, arrancado de um buraco como se fosse um tatu, nosso simpático mamífero noctívago, desdentado, dasipodídeo, com seu corpo revestido de carapaça córnea.
Como o costume do cachimbo põe a boca torta, os brasileiros acostumados à crença de que no Brasil prisão é coisa para o tríplice P - pretos, pobres e putas -, não acreditaram que seriam apanhados no esgoto moral em que chafurdaram, como ratos, estes mamíferos roedores, murídeos, dotados de molares cuspidados.
Apesar da crescente lotação dos presídios, parece que prospera a crença no retorno da impunidade para os infratores do colarinho branco, como se observa mundo afora e, sobretudo, Brasil adentro, onde políticos descomprometidos com o bem coletivo teimam em tirar partido da grave crise que assola o País, diante do qual se acendem luzes amarelas advertindo-nos para nos desviarmos do curso suicida das nações que optaram pela temerária rota do fracasso.
Mais próximo de nós, na vida cotidiana, vemos a repetição dessa lamentável tendência, de pessoas conhecidas olharem o próximo, de cima para baixo, quando quer que um pouco de fortuna lhes cubra a fronte. Desde os que se alçam a postos de relevo até inspetores de quarteirão, é grande a tentação de que se deixem dominar pelo lobo que lhes cutuca as vísceras, muito distantes do bucólico cordeiro que há pouco balia placidamente nas campinas. Observe-se que tais assomos de soberba que cegam as pessoas variam ao sabor dos valores de cada qual. Daí nasceu o provérbio iugoslavo que ensina: “Se você quiser conhecer o caráter de uma pessoa, coloque-a numa posição de autoridade”.
Os clássicos já disseram o fundamental sobre o comportamento humano, levando o pensador liberal inglês Lord Acton, nascido na Itália, a concluir com estas palavras em fogo: “All the power tends to corrupt, and absolute power to corrupt, absolutely”. (Todo poder tende a corromper e o poder absoluto (tende) a corromper, absolutamente (totalmente).
Usados com sabedoria, riqueza e poder podem ajudar na construção da felicidade. Recorde-se o aforismo de Nelson Rodrigues: “O dinheiro pode comprar até amor verdadeiro”. Na verdade, porém, a grande fortuna da vida consiste em viver com saúde e paz, quando se pode sorver o ar da noite, serenamente, com a consciência tranquila, sob um céu estrelado.