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Celso Ming, O Estado de S.Paulo
26 de novembro de 2020 | 19h28
Depois de quase um ano de pandemia e crise, há pelo menos dois novos fatores que mudam para melhor a direção dos ventos globais. Poderão ser aproveitados pelo Brasil, se o governo não continuar cometendo besteiras.
São fatores de certa forma já esperados, mas que vinham carregados de incertezas que tendem a se dispersar.
O primeiro deles é a vacina. Já há pelo menos quatro que completaram seu terceiro e último estágio. Ainda que a logística da aplicação tenha muitos desafios a enfrentar, essas vacinas devem começar a ser distribuídas até mesmo neste dezembro. A economia global, que começava novamente a se prostrar em consequência das novas ondas de covid-19 na Europa e nos Estados Unidos, pode agora respirar com algum alívio.
Mais do que isso, os represamentos na área de investimentos estão agora sendo removidos. Daí por que os mercados, até agora entocados, passam o sinal de que voltaram a procurar mais opções de risco.
O segundo fator que aponta para dias melhores vem dos Estados Unidos. A eleição de Joe Biden e a nomeação dos seus principais colaboradores mostram que a principal economia do mundo deixou para trás enormes incertezas da era Trump. Este foi um governo populista marcado pelo unilateralismo e pelo isolacionismo, pela manipulação da opinião pública por meio de mentiras e incoerências, pela guerra comercial com a China, pela falta de coordenação no ataque à pandemia e por uma postura ambiental negacionista.
Joe Biden
O novo governo Biden está sendo montado para o retorno ao multilateralismo e para o destravamento dos investimentos. Nova ênfase será dada aos programas de infraestrutura e de substituição dos combustíveis fósseis por combustíveis limpos e renováveis.
É uma orientação diametralmente oposta à do período Trump. Terá ainda de vencer resistências, especialmente no Congresso dos Estados Unidos, mas parece irreversível.
Outra novidade é a de que o Fundo Monetário Internacional (FMI), até aqui um bastião da austeridade, está agora ostensivamente empenhado em levar os governos de todo o mundo a intensificar investimentos em infraestrutura, com o objetivo de tirar a economia da paradeira e do alastramento do desemprego. É recomendação feita mesmo levando em conta a disparada dos rombos fiscais e das dívidas soberanas. O pressuposto é o de que a retomada se encarregará de reequilibrar os orçamentos com mais arrecadação.
Essa é uma política notadamente keynesiana, que dá ênfase aos investimentos e não à distribuição de auxílios emergenciais à população.
No Brasil, essa política poderia perfeitamente ser adotada não propriamente por meio de investimentos do setor público, mas, principalmente, por meio de Parcerias Público-Privadas (PPPs). Para isso são necessárias tanto uma definição de estratégias como a adoção de regras claras de jogo que afastem incertezas jurídicas.
O governo do Brasil poderia surfar nessa nova onda de otimismo mundial desde que se atire de corpo e alma nas reformas e abandone sua postura negacionista tanto em relação à luta contra a covid-19 quanto em relação à adoção de políticas consistentes em direção à preservação do meio ambiente.
Em outubro, o saldo de criação de vagas no emprego formal foi de 395 mil, um avanço que ninguém havia previsto. Isso sugere que, neste último trimestre, aumentem ainda mais as contratações, tendo em vista a perspectiva de chegada da vacina e indícios de retomada da atividade econômica. No entanto, nenhuma redução significativa do desemprego será sustentável se não forem reduzidas as incertezas. E a maior incerteza é a falta de decisão sobre como enfrentar o rombo das contas públicas.