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Rui Barbosa falou das injustiças da Justiça brasileira há mais de 100 anos

O homem que a maioria dos brasileiros só conhece por ser nome de rua, praça ou prédio público, precisa voltar a ser conhecido pelo que foi e pelo legado que deixou

 STF, injustiça e indignação são palavras que facilmente cabem na mesma frase e, não à toa, voltaram a aparecer juntas nesta semana de decisões inesperadas e inexplicáveis de ministros do Supremo Tribunal Federal. Como vieram acompanhadas dos sentimentos de tristeza e desesperança recorro a frases do passado em busca de algum alento.

Você provavelmente já ouviu antes a célebre e lamentável constatação de Rui Barbosa acerca dos males provocados por um Judiciário que se perde em filigranas e esquece o verdadeiro propósito dos julgamentos: ater-se aos fatos, analisar provas e punir culpados de crimes.

Relembrar o que disse um dos maiores juristas que o país já teve, se não o maior, patrono dos advogados do Brasil, é sentir suas palavras como se fossem a tradução do nosso próprio pensamento. Homens comuns, afinal, não precisam de conhecimento jurídico para entender a destruição moral de uma sociedade onde impera a injustiça.

"De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto."

Rui Barbosa, político e jurista, em discurso no Senado em 1914
Trago essa constatação triste, mas verdadeira, porque em momentos de total descrédito na Justiça como o que vivemos esta semana precisamos lembrar de Rui Barbosa.

Rui Barbosa e o legado para o Brasil de 2021
 
O homem que a maioria dos brasileiros só conhece por ser nome de rua, praça ou prédio público, precisa voltar a ser conhecido pelo que foi e pelo legado que deixou. Neste Brasil injusto do século XXI, em que o STF, corte máxima de Justiça, figura como protagonista, Rui Barbosa merece ser ouvido, apesar de estar morto há quase 100 anos.

O baiano de porte franzino e grande oratória viveu de 1849 a 1923. Foi escritor, jornalista, advogado, político, diplomata, intelectual. Em todas essas funções destacou-se pelos pensamentos claros, pelo raciocínio lógico, pela defesa das virtudes e da Justiça. Em seus livros, reportagens e discursos deixou incontáveis ensinamentos que extrapolam o mundo jurídico, político e intelectual, onde atuou desde muito jovem até morrer aos 74 anos.

Além da frase mencionada acima, outra de suas afirmações famosas vem sendo lembrada com frequência, especialmente nesses tempos em que o STF manda soltar bandidos e prender inocentes, inventa regras para anular sentenças e até processos, deixando atônito o cidadão comum, respeitador da lei.

"A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer."
Rui Barbosa, advogado e jurista
 
 
Ambas são frases desalentadoras, ditas em momentos em que mesmo esse advogado e jurista respeitadíssimo, parece ter se sentido impotente diante de aberrações cometidas por colegas da política e do Judiciário. Há, porém, um grande ensinamento aí.

Mesmo quando sentiu tristeza, até fraqueza e desesperança, Rui Barbosa não se calou. Embutiu na combinação de palavras que formam ideias negativas o recado importantíssimo de que o homem bom não pode jamais ficar quieto diante dos absurdos que vê.

Antídoto para a ditadura do STF

A conclusão de Rui Barbosa acerca da Justiça brasileira de que "a pior ditadura é a do Judiciário, porque contra ela não há a quem recorrer" costuma ser recebida com a dor de quem leva um tapa na cara. É como se não houvesse mesmo nada mais a ser feito. Prefiro considerar que era um alerta, um grito de socorro e um aviso aos poderosos inescrupulosos de que eles não ficariam no anonimato.

Com suas frases de efeito denunciou aos quatro ventos, até para a posteridade, que o Judiciário poderia se transformar numa ditadura e levar cidadãos de bem a terem vergonha de ser honestos. Falou em vez de calar-se e, acredito, plantou sementes de mudanças.

Caso esteja pensando que de nada adianta falar quando os que têm poder para transformar a sociedade parecem não querer ouvir, segue uma proposta de reflexão. Talvez, graças a esse alerta de Rui Barbosa, e a vários outros que vieram depois, este homem que ajudou a escrever a primeira Constituição republicana do Brasil, em 1891, tenha inspirado outros tantos, inclusive os constituintes de 1988.

Veja que quase cem anos depois daquela Constituição não imperial, quem escreveu a atual deu ao Senado a prerrogativa de funcionar como uma espécie de corte recursal do povo contra o Judiciário.

Pela Constituição de 1988 o Senado tem o poder e a obrigação de analisar processos abertos por qualquer cidadão que não concorde com juízes supremos quando eles atuam como ditadores, abusando do poder que têm, criando novas regras para os processos em andamento, novas leis (o que não é função deles, é do Legislativo) e, inclusive, ignorando a própria Constituição.

Para quem perdeu a esperança na Justiça e está se sentindo quase massacrado por ela, sem vontade de continuar lutando pelo respeito à lei, pela punição aos bandidos e pela valorização de quem é honesto, sugiro apurar o ouvido para o sussurro de Rui Barbosa: não desista, não se deixe abater.

Como ser ouvido
 
Converse com os amigos e parentes sobre o que é certo, publique o que pensa nas redes sociais, mostre que não apoia criminosos, que não concorda com juízes passando a mão na cabeça de políticos corruptos, de traficantes perigosos, de bandidos de todo tipo.

Cabe ao cidadão comum exigir de seus representantes que cumpram o que está na lei, inclusive julgar pedidos de impeachment de ministros do STF. O Senado tem um novo presidente. É do senador Rodrigo Pacheco, apenas dele, a responsabilidade por pautar votações de pedidos de impeachment de ministros do STF. E mesmo nesta nova gestão já há pedidos na fila para análise.

Se a população se manifestar com força vai ficar muito difícil para os novos presidentes da Câmara e do Senado fazerem o que os anteriores faziam: fingir que não há projetos importantes esperando votação, como as PECs (propostas de emenda constitucional) da prisão após condenação em segunda instância e do fim do foro privilegiado.

Se o Judiciário, em especial o STF, está provocando no cidadão de bem vergonha de ser honesto, esse mesmo cidadão precisa encontrar forças e levantar a voz, se fazer ouvir pelos deputados e senadores. Mande mensagens diretas, aproveite que estão todos nas redes sociais e marque o perfil deles em publicações, ajude a reforçar as hashtags mostrando o que você apoia e o que rejeita.

Exemplo estrangeiro

Termino com mais uma frase famosa de outro homem que merece ser lembrado, outro grande exemplo a ser seguido por todos que são honestos. Não era brasileiro nem foi intelectual como Rui Barbosa, que chegou a ser diplomata, representou o Brasil no exterior e ficou marcado na história também como um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (ABL), sendo, inclusive, seu segundo presidente, depois de Machado de Assis.

Refiro-me ao líder negro americano Martin Luther King, o maior defensor da igualdade racial e dos direitos humanos nos Estados Unidos. Aparentemente esquecido pelos atuais (e violentos) militantes da causa negra americana, pode e deve ser lembrado por nós, brasileiros. Assim como Rui Barbosa, foi certeiro nas palavras.

"O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons".
Martin Luther King, líder negro americano
 
Marin Luther King nasceu seis anos depois da morte do nosso Rui Barbosa. Viveu em outra época, em outro lugar. Até tiveram uma luta parecida, porque Rui Barbosa, além de tudo o que era e fazia, foi também um dos que lutaram mais abertamente pela abolição da escravatura no Brasil.

Destaco, porém, que a maior semelhança entre os dois é a de não terem se calado diante de injustiças. Façamos o mesmo.
 
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