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Tornou-se comum ver em qualquer manifestação feminista mulheres vestidas como personagens da série “O Conto de Aia”, um grande sucesso nos EUA. Baseado no livro homônimo de Margareth Atwood, a série traz um futuro distópico em que as mulheres são escravas e têm como único propósito a procriação. A popularidade entre as feministas se dá porque a história pretensamente é uma alegoria de um Estado totalitário religioso e fundamentalista cristão.
Como está na moda nestes tempos histéricos em que vivemos, muita gente acha que proibir o aborto transforma automaticamente o país em um Afeganistão regido pelo Talibã. Essas pessoas não sabem, ou se esquecem, que na vida real o mais próximo de transformar “O Conto de Aia” em algo real foram estados comunistas ateus. A Romênia proibiu as mulheres de abortar, não em nome de salvar crianças, mas para o crescimento do Estado.
O resultado foi que, como o país era extremamente pobre, as famílias com vários filhos não tinham condições de criá-los e essas crianças acabavam em orfanatos estatais, onde sofriam com abusos psicológicos, sexuais, desnutrição e até contaminação por doenças sexualmente transmissíveis, como a Aids. A editora Maria Clara Vieira conta essa triste história aqui:
Como as ditaduras comunistas manipularam a família e a maternidade em nome do Estado
Por
Maria Clara Vieira
A última aposta dos estúdios Walt Disney dentro do Universo Cinematográfico da Marvel estreou na plataforma de streaming do grupo no mês de agosto, com uma mensagem de defesa dos laços familiares frente aos abusos de um Estado totalitário.
“Viúva Negra”, protagonizado pela atriz Scarlett Johansson, ao lado de David Harbor (“Stranger Things”) e Rachel Weisz (“A Múmia”), se passa antes dos eventos de “Vingadores: Guerra Infinita” e mostra a ex-espiã Natasha Romanoff enfrentando seu passado soviete. A história que os fãs dos quadrinhos já conheciam, e que foi mencionada por alto em outros filmes de franquia, foi expandida na trama: Natasha foi treinada em um programa secreto da ex-URSS que sequestrava meninas pobres e abandonadas para transformá-las em assassinas a serviço do partido. Além da doutrinação ideológica e do treinamento físico brutal, o processo incluía a remoção dos órgãos reprodutores das “viúvas”.
Ainda que não se tenha notícia da existência de “salas vermelhas” da vida real, com produção em massa de super-espiãs, é possível estabelecer paralelos entre o desprezo que o vilão soviético General Dreykov, a mente por trás do método, demonstra por mulheres e crianças e a forma como ditaduras comunistas trataram a maternidade e a vida familiar ao longo da história: sempre com olhos nos interesses do Estado, mais do que na valorização da vida. Ao afirmar que seu treinamento se aproveita do “único recurso natural que o mundo tem em excesso" - as meninas -, Dreykov explicita que, para seu projeto de nação, mulheres são meros instrumentos, e seus filhos, quando não se tornam parte da engrenagem, podem pôr tudo a perder.
"Exploração do casamento"
Não à toa, em 1920, assim que os bolcheviques derrotaram o Exército Branco na Guerra Civil Russa, Vladimir Lênin, líder da União Soviética, decretou a legalização do aborto, sob o argumento de que tratava-se de uma “necessidade” imposta pela pobreza criada ao longo dos anos sob o czarismo. Lênin, contudo, nunca escondeu sua admiração por Friedrich Engels, o mentor de Karl Marx que afirmava que as mulheres deveriam ser “emancipadas da exploração do casamento”, o que seria uma consequência natural da revolução proletária.
A chegada de Josef Stálin ao poder na década de 1940 levou à criminalização temporária do aborto, mas não por benevolência do partido ou porque o ditador sanguinário tivesse algum apreço pela vida humana. Tratava-se, contudo, de uma medida para fomentar a natalidade diante das perdas ocasionadas pela 2ª Guerra Mundial. Afinal, o próprio Engels dizia que papel das mulheres era criar uma família, contando que fosse educada e politicamente ativa para que seus filhos aprendessem no berço a servir ao Estado soviético.
Nos anos 1950, o aborto seria legalizado novamente, agora em um regime “protonatalista” - isto é, o governo soviético apoiava o aumento das taxas de natalidade ao não fomentar a utilização de contraceptivos, mas permitia a interrupção da gestação a qualquer momento. O resultado foi desastroso: no final dos anos 1980, a taxa de abortos na União Soviética chegou a 70% de todas as gestações. Havia duas vezes mais abortos do que partos; e nas piores condições possíveis. Uma reportagem do New York Times publicada em 1989 narra que a moralidade da interrupção da gravidez sequer estava na pauta: a preocupação era estancar a prática enquanto método contraceptivo, já que os russos rejeitavam tanto a pílula quanto o preservativo. “Minha mãe teve três filhos e fez 13 abortos", conta uma entrevistada.
Trauma por toda a vida
Situação similar aconteceu na Romênia dos anos 1980, onde descobriu-se entre 100 mil e 170 mil crianças abandonadas em orfanatos com péssimas condições de saneamento e higiene, vítimas de uma política implantada pelo ditador Nicolae Ceausescu, que forçava as famílias a terem muitos filhos sem nenhuma condição. Tudo para que o país alcançasse a almejada taxa de natalidade que, em teoria, levaria a economia a decolar.
A medida chegou ao ponto de, em 1985, o Estado criar os “Corpos de Comando Demográfico”, grupos médicos enviados para “detectar” mulheres grávidas e impedir que interrompessem as gestações (àquela altura, o número de mortes relacionadas a abortos já havia crescido 600%), enquanto o Estado prometia acolher as crianças cujos pais não tivessem condições em seus “magníficos” orfanatos, onde elas seriam preparadas para servir ao partido. O resultado foi uma geração portadora de severos transtornos psicológicos e doenças como hepatite B e Aids. Até hoje, algumas dessas vítimas lutam por indenização.
Filho único
Já na China, com suas décadas de “Política do Filho Único”, o paralelo com a Sala Vermelha do Universo da Marvel é ainda mais evidente: são fartos os relatos de abortos (mesmo nas últimas semanas de gravidez) e esterilizações forçadas, abandono de crianças e tráfico humano ocorridos por causa da medida.
O documentário One Child Nation, disponível no Amazon Prime Vídeo, traz relatos chocantes das consequências da lei, que só foi alterada, oficialmente, em maio deste ano — permitindo que os pais tenham até três filhos. “Medidas draconianas como a Política do Filho Único surgiram do medo de que a lealdade à família pudesse competir com a lealdade ao partido, e muitas vezes resultava no aborto ou infanticídio de meninas”, escreve o crítico Alexi Sargeant, em comparação com o filme “Viúva Negra”.
Indefesos contra o Estado
O escritor, contudo, estende a crítica ao Ocidente progressista: “Vejo diariamente o anti-natalismo casual de americanos que reclamam do apoio governamental para pais e bebês, como se criar a próxima geração fosse um hobby e não uma atividade humana essencial”, escreve Sargeant, mencionando o caso do diretor Joss Whedon, de “Vingadores: Era de Ultron”, acusado de demitir a atriz Charisma Carpenter quando esta teve o primeiro filho.
“Como a Sala Vermelha, os sets de Hollywood dirigidos por homens como Whedon vêem pouca utilidade para mulheres que abraçaram a maternidade. (…) Para bastiões da indústria do entretenimento capitalista progressista, não menos do que para os supervilões soviéticos, o processo milenar de nascimento e formação da família apresenta uma ameaça a ser administrada em vez de uma oportunidade a ser abraçada. ‘Viúva Negra’ leva esse tema em uma direção inesperadamente animadora: talvez até mesmo os laços de uma falsa família possam ser suficientes para derrubar um regime que odeia a vida familiar”, avalia o crítico, em análise que remonta à máxima do britânico G. K. Chesterton:
“Porque sem a família, sem a família, estamos completamente indefesos diante de toda a tirania do Estado”.
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